Era uma vez dois rapazes que cresceram juntos no mesmo bairro. Era uma daquelas amizades a sério. Durante a semana um esperava pelo outro para irem juntos para a escola. Ao fim de semana combinavam grandes aventuras depois do almoço. Iam de bicicleta dar umas voltas e, sempre que podiam, lá faziam das suas. Traquinices de rapazes novos que, no fundo, ninguém levava a mal.
É claro que havia diferenças entre os dois. Uma das mais evidentes é que um gostava mais de estudar do que o outro. Aliás, os pais dele até gostavam de os ver juntos porque acreditavam que essa era uma forma do seu filho se interessar mais pelos livros. Mas, puro engano. A dado momento, conheceu uns rapazes que começaram a falar-lhe de umas borgas bem fixes lá na sede da “jota”. Claro que havia umas reuniões, mas depois o pessoal seguia para o café mais próximo e bebia uns copitos. Ele alinhou, preencheu e assinou a ficha de inscrição.
Enquanto isso, o outro amigo prosseguiu os seus estudos. Estudou como um mouro. Queimou as pestanas para conseguir a média que lhe desse o passaporte para aquele curso tão desejado.
À força de tanta concentração, quase nem deu por ela que o país ia a votos e que, por isso, estava a decorrer uma campanha eleitoral. Lá fora, o grande amigo, que ele já não via há meses, estava empenhado em colar cartazes. Passou noites a colar cartazes. O processo não era difícil. Passar cola na parede, pôr o cartaz e passar o pincel outra vez. Ele era o que mais cartazes colava e o partido olhava atento para o seu trabalho. O partido, aliás, orgulhava-se deste seu novo elemento.
O tempo foi passando. E depois de quatro anos de tanta dedicação, o partido decidiu recompensá-lo e deu-lhe um lugar nas listas para as eleições legislativas. Nessa campanha empenhou-se ainda mais. À noite colou o dobro dos cartazes e, durante o dia, acompanhava os mais graúdos e dava beijos nas crianças e nas velhinhas. A noite das eleições correu bem. O partido ganhou e ele acabou eleito. Uns tempos depois, já senhor deputado, foi às compras e, quando ia pagar, viu o seu grande amigo de infância a trabalhar na caixa. Tinha acabado o curso com uma grande média. Não tinha arranjado emprego na sua área. Mas aguardava, impaciente, que o chamassem para um instituto nos Estados Unidos, para seguir a carreira de investigador. Era um qualificado infeliz, mas com esperança.
Memórias da Festa
Há uma semana
Um comentário:
A esperança é a última a morrer, mas infelizmente este texto retrata bem o que se vai passando neste país (provavelmente como em muitos outros). Não sendo apologista de uma anarquia, vai sendo tempo de os nossos cidadãos repensarem que modelo de política partidária desejam para o nosso Portugal. Por mim, seria menos partidarite e mais cidadania activa!
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