sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Era uma vez em Portugal

Era uma vez dois rapazes que cresceram juntos no mesmo bairro. Era uma daquelas amizades a sério. Durante a semana um esperava pelo outro para irem juntos para a escola. Ao fim de semana combinavam grandes aventuras depois do almoço. Iam de bicicleta dar umas voltas e, sempre que podiam, lá faziam das suas. Traquinices de rapazes novos que, no fundo, ninguém levava a mal.
É claro que havia diferenças entre os dois. Uma das mais evidentes é que um gostava mais de estudar do que o outro. Aliás, os pais dele até gostavam de os ver juntos porque acreditavam que essa era uma forma do seu filho se interessar mais pelos livros. Mas, puro engano. A dado momento, conheceu uns rapazes que começaram a falar-lhe de umas borgas bem fixes lá na sede da “jota”. Claro que havia umas reuniões, mas depois o pessoal seguia para o café mais próximo e bebia uns copitos. Ele alinhou, preencheu e assinou a ficha de inscrição.
Enquanto isso, o outro amigo prosseguiu os seus estudos. Estudou como um mouro. Queimou as pestanas para conseguir a média que lhe desse o passaporte para aquele curso tão desejado.
À força de tanta concentração, quase nem deu por ela que o país ia a votos e que, por isso, estava a decorrer uma campanha eleitoral. Lá fora, o grande amigo, que ele já não via há meses, estava empenhado em colar cartazes. Passou noites a colar cartazes. O processo não era difícil. Passar cola na parede, pôr o cartaz e passar o pincel outra vez. Ele era o que mais cartazes colava e o partido olhava atento para o seu trabalho. O partido, aliás, orgulhava-se deste seu novo elemento.
O tempo foi passando. E depois de quatro anos de tanta dedicação, o partido decidiu recompensá-lo e deu-lhe um lugar nas listas para as eleições legislativas. Nessa campanha empenhou-se ainda mais. À noite colou o dobro dos cartazes e, durante o dia, acompanhava os mais graúdos e dava beijos nas crianças e nas velhinhas. A noite das eleições correu bem. O partido ganhou e ele acabou eleito. Uns tempos depois, já senhor deputado, foi às compras e, quando ia pagar, viu o seu grande amigo de infância a trabalhar na caixa. Tinha acabado o curso com uma grande média. Não tinha arranjado emprego na sua área. Mas aguardava, impaciente, que o chamassem para um instituto nos Estados Unidos, para seguir a carreira de investigador. Era um qualificado infeliz, mas com esperança.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Um país de Vitinhos

Na semana passada Portugal foi insultado a nível internacional por uma das empresas mais famosas do mundo. Sim, foi um verdadeiro insulto ao orgulho nacional que, infelizmente, passou despercebido à grande maioria dos portugueses.
Estava eu tranquilo na quarta-feira, quando decidi ligar o meu computador e efectuar uma pequena pesquisa que me passou pela cabeça. Tal como sempre acontece, liguei-me ao Google. Sabem o que é que me apareceu pela frente? Sabem? É verdade… Uma homenagem ao Vitinho. Aquela figura com ar traquina que deve ter traumatizado milhares de crianças, que hoje são adultos. Crianças que, naquela altura, queriam ver um pouco mais de televisão num dos dois únicos canais que existiam, mas que tinham de ir imperiosamente para a cama. Lembram-se do papá ou da mamã a dizer? - Vá lá… vai para a cama! Nós tentávamos convencer: -É só mais um bocadinho… Lá ripostavam eles: - Não. Já deu o Vitinho. E porque já tinha dado essa figura sinistra, que até lavava os dentes e apagava a luz, lá íamos nós para a cama.
Agora, passados 25 anos, a Google fez questão de nos lembrar o Vitinho. Geralmente, aquele motor de busca relembra grandes figuras internacionais ou grandes acontecimentos. E, na primeira vez que olha para este rectângulo à beira mar plantado, de quem é que se lembra para evocar? Do Vitinho… aquele que nos obrigava a ir para a cama.
A Google teve imensas hipóteses de se lembrar de nós. Podia, por exemplo, evocar o 25 de Abril, ou ainda o 1.º de Dezembro, ou quem sabe, o centenário da República. Todas estas datas davam desenhos giros com o nome Google. Mas não! De quem é que eles se lembraram quando decidiram olhar para nós? Do Vitinho.
Bem analisadas as coisas, esta foi uma maneira muito subtil, ou talvez não, de nos insultar. Num momento em que as convulsões no mundo abundam, em que há uma revolução do jasmim na Tunísia, os egípcios andam a ferro e fogo, na Ucrânia as pessoas ficam chateadas por as proibirem de pôr a roupa a secar nas varandas, a Google ri-se e diz-nos na cara: vocês andam a nanar.
Quando temos um Governo que nos reduz salários, aumenta o IVA, retira abonos de família, cancela benefícios aos mais necessitados, a Google diz-nos na cara: sois um país de Vitinhos!